O cultivo celular animal (ATC) consiste nos processos de isolamento, propagação e manutenção de células de determinado tecido em um sistema
in vitro. Este sistema é composto por elementos essenciais ao desenvolvimento e, também, é constituído por condições ambientais tais como, temperatura, pH, teor de CO2 etc. Todos estes elementos (nutricionais + fatores ambientais) são essenciais para a sobrevivência de tais estruturas celulares.
O cultivo celular animal teve seu desenvolvimento iniciado há mais de um século, onde, no ano de 1897, Leo Loeb (1869 – 1959) havia reconhecido os "princípios gerais" e importância do crescimento de células em ambiente artificial através de seu trabalho com tecidos embebidos em ágar ou coágulos de plasma e implantados em animais, foram a primeira tentativa registrada na literatura para o crescimento de tecidos de animais superiores sob condições artificiais em "ambientes que diferem daqueles encontrados no corpo sob condições naturais".
Leo Loeb
Os primeiros meios de cultura desenvolvidos e usados com sucesso para o cultivo de células animais eram tipicamente compostos de plasma, soro, linfa ou extratos de tecidos. A natureza complexa e indefinida destes constituintes biológicos resultavam em uma grande variabilidade, levava ao aumento do risco de contaminação e impediu a elucidação dos nutrientes mínimos e específicos necessários para apoiar o crescimento das células nestes respectivos meios.
Ao desenvolver um novo método de cultura, sempre se enfrenta vários desafios. Um desses é realizar e garantir a manutenção das células e dos tecidos nos meios devido à grande discrepância entre a cinética celular
in vivo e a cinética celular
in vitro. A principal razão para tal, é a grande dificuldade em reproduzir um microambiente artificial em que as células se comportam como se estivessem em seu ambiente fisiológico natural.
Um microambiente artificial para células cultivadas é formado por vários fatores, incluindo citocinas, material de suporte, interações célula-célula e manutenção do estresse físico. Dado que vários fatores modulam o comportamento e a função das células cultivadas em condições normais. Células viáveis em condições patológicas são submetidas a combinações ainda mais aberrantes, ou seja, são adicionados ao meios mais toxinas, edemas, ascite e temperatura diferenciada. Esses fatores ambientais anormais levam à ativação de reações patológicas nas células
in vivo. Pode-se ver, portanto, que é extremamente difícil reproduzir um microambiente anatômico ou fisiológico simplesmente recorrendo a um sistema de cultura convencional específico.
Por essas razões, muitos grupos de pesquisa procuraram desenvolver meios de cultura quimicamente definidos sem soro (
serum-free) por meio da análise da composição celular dos elementos dos soros, onde se procurava mimetizar estes elementos nos meios de cultura, e através da identificação de componentes-chave necessários e essenciais para garantir o desenvolvimento das culturas.
O trabalho pioneiro realizado por Harry Eagle, culminou no desenvolvimento de uma formulação básica, que poderia suportar o crescimento de duas linhagens celulares diferentes, fibroblastos L de camundongo e células HeLa (carcinoma uterino humano).
Harry Eagle
O meio inicial de Eagle continha “uma mistura arbitrária de aminoácidos, vitaminas, cofatores, carboidratos e sais” junto com soro dialisado. Esse meio foi “batizado” de Essential Medium (MEM). O MEM é composto por 28 metabólitos essenciais que, quando suplementados com soro, podem suportar a propagação de uma ampla variedade de linhagens celulares com tempos de duplicação de 18 a 24 h. Embora este meio contenha soro em sua composição, sua formulação ainda é a base para muitos meios de cultura de células amplamente usados até hoje. Como exemplo, o DMEM (Dulbecco’s Modified Eagle Medium) de Dulbecco e Freeman foi resultante de uma versão modificada do meio de Eagle contendo uma concentração quatro vezes maior de aminoácidos e vitaminas em relação ao MEM. Esta formulação demonstrou suportar crescimento aprimorado e densidades celulares mais altas em relação ao MEM e acabou sendo usado como base para várias formulações de meios isentos de soro.
A mistura de nutrientes de Ham F12, foi um exemplo inicial bem-sucedido de um meio de cultura totalmente sintético, quimicamente definido e livre de soro que poderia suportar o crescimento clonal de células de ovário de hamster chinês (CHO- Chinese Hamster Ovary). Este meio (Nutriente Mixture F12- Ham) foi projetado para o cultivo e expansão de células únicas, mas não era adequado para suportar o crescimento de altas densidades celulares (superiores a 10
5 células por ml).
Sato
et al. determinaram posteriormente que essa deficiência poderia ser remediada pela mistura do F12- Ham com o meio de Dulbecco, além da suplementação com hormônios, fatores de crescimento e transferrina, resultando assim em uma nova formulação chamada DMEM/F12 (Dulbecco's Modified Eagle Medium/ Nutrient Mixture F-12 Ham). Nesta nova composição, Hiroki Murakami
et al. identificaram quatro aditivos críticos necessários para a reposição do soro em meios quimicamente definidos: insulina, transferrina, etanolamina e selênio. Combinados, esses quatro aditivos formaram um suplemento (ITES), que foi usado como componente quimicamente definido para substituição do soro. Além disso, a equipe de Murakami melhorou mais os meios existentes misturando formulações já conhecidas, como DMEM/F12 com outras como o RPMI-1640.
Os meios RPMI são uma série de meios desenvolvidos por Moore
et al para a cultura de células normais e neoplásicas humanas in vitro. O meio RPMI-1640, por sua vez, é um meio de cultura de células proposto pelo Roswell Park Memorial Institute (Buffalo, NY) que resultou na cultura bem-sucedida de linfócitos humanos.
A mistura do RPMI com o DMEM/F12 juntamente com o suplemento ITES como substituto da remoção do soro, gerou o meio RDF basal e, posteriormente, o RDF enriquecido (eRDF).
Yap
et al. avaliaram ainda mais o papel de metais traços em meios de cultura de células sem soro, identificando atividades miméticas à insulina mediadas sobre as culturas através do zinco, o que levou sua demonstração como substituto de insulina em meios quimicamente definidos e isentos de proteínas.
A seguinte tabela apresenta a composição de diferentes meios de cultura clássicos destinados ao cultivo animal.
|
Componentes (mg/L) |
BME (Eagle 1955) |
MEM (Minimum Essential Media) (Eagle, 1959) |
F12 (Ham, 1965) |
DMEM/F12 (Barnes, 1979) |
eRDF (Murakami, 1989) |
Aminoácidos |
Glycine |
|
|
7.51 |
3.76 |
42.8 |
L-Alanine |
|
|
8.91 |
4.46 |
6.68 |
L-Arginine |
17.42 |
105 |
|
210 |
|
L-Arginine HCl |
|
|
210.7 |
105.4 |
581.5 |
L-Asparagine |
|
|
13.21 |
6.61 |
|
L-Asparagine Monohydrate |
|
|
|
|
94.5 |
L-Aspartic acid |
|
|
13.31 |
6.66 |
39.9 |
L-Cystine |
12.015 |
24 |
|
48 |
|
L-Cysteine HCl |
|
|
31.52 |
15.76 |
|
L-Cysteine HCl H2O |
|
|
|
|
105.4 |
L-Glutamic Acid |
|
|
14.71 |
7.36 |
39.7 |
L-Glutamine |
292.2 |
292 |
146.1 |
657 |
1000 |
L-Histidine HCl H2O |
|
|
|
|
75.4 |
L-Histidine HCl |
|
|
19.16 |
9.58 |
|
L-Histidine |
7.76 |
31 |
|
62.0 |
|
L-Hydroxyproline |
|
|
|
|
31.5 |
L-Isoleucine |
26.24 |
52 |
3.94 |
105.97 |
157.4 |
L-Leucine |
26.24 |
52 |
13.12 |
110.56 |
165.3 |
L-Lysine HCl |
|
|
36.52 |
18.26 |
197.2 |
L-Lysine |
29.24 |
58 |
|
116 |
|
L-Methionine |
7.46 |
15 |
4.48 |
32.24 |
49.2 |
L-Phenylalanine |
16.52 |
32 |
4.96 |
66.48 |
74.3 |
L-Proline |
|
|
34.53 |
17.27 |
55.2 |
L-Serine |
|
|
10.51 |
5.26 |
85.1 |
L-Threonine |
23.82 |
48 |
11.91 |
101.96 |
110.8 |
L-Tryptophan |
4.084 |
10 |
2.042 |
21.02 |
18.4 |
L-Tyrosine |
18.12 |
36 |
5.44 |
74.72 |
87.0 |
L-Valine |
23.44 |
46 |
11.72 |
97.86 |
109.0 |
Sais Minerais |
Calcium Chloride Dihydrate |
|
|
44.10 |
22.05 |
108.77 |
Calcium Chloride |
111 |
200 (0 for suspension culture) |
|
|
|
Magnesium Chloride |
47.6 |
|
|
|
|
Magnesium Chloride Hexahydrate |
|
200 |
121.98 |
161 |
|
Magnesium Sulfate, Anhydrous |
|
|
|
|
66.22 |
Potassium Chloride |
373 |
400 |
223.8 |
311.9 |
373 |
Sodium Bicarbonate |
1680 |
2000 |
1176 |
2788 |
1050 |
Sodium Chloride |
5840 |
6800 |
7592 |
7196 |
6424 |
Sodium Phosphate Monobasic Dihydrate |
|
150 (1500 for suspension culture) |
|
750 |
|
Sodium Phosphate Monobasic Monohydrate |
138 |
|
|
|
|
Sodium Phosphate Dibasic heptahydrate |
|
|
268.1 |
134.1 |
|
Sodium Phosphate Dibasic Dodecahydrate |
|
|
|
|
6593 |
Elementos Traços |
Cupric Sulfate Pentahydrate |
|
|
0.002497 |
0.001249 |
0.000749 |
Sodium Selenite |
|
|
|
0.001729 |
|
Ferrous Sulfate Heptahydrate |
|
|
0.834 |
0.417 |
0.222 |
Zinc Sulfate Heptahydrate |
|
|
0.8625 |
0.432 |
0.23 |
Vitaminas |
Biotin |
0.2443 |
|
0.007329 |
0.003665 |
0.1 |
Choline Chloride |
|
|
13.96 |
6.98 |
12.29 |
Choline |
0.1042 |
1 |
|
2 |
|
Pantothenate |
0.2190 |
1 |
|
2 |
|
D-Calcium Pantothenate |
|
|
0.4765 |
0.24 |
1.24 |
Folic Acid |
0.4414 |
1 |
13.242 |
2.66 |
1.81 |
Niacinamide |
0.1221 |
1 |
0.03663 |
2.02 |
1.47 |
p-Aminobenzoic Acid |
|
|
|
|
0.51 |
Pyridoxal HCl |
|
|
|
|
1 |
Pyridoxal |
0.1672 |
1 |
|
2 |
|
Pyridoxine HCl |
|
|
0.06169 |
0.03085 |
0.51 |
Riboflavin |
0.03764 |
0.1 |
0.03764 |
0.22 |
0.21 |
Thiamine |
0.2654 |
1 |
|
2 |
|
Thiamine HCl |
|
|
0.3373 |
0.1687 |
1.59 |
Vitamin B12 |
|
|
13.554 |
0.68 |
0.34 |
Poliamina |
Putrescine 2HCl |
|
|
0.1611 |
0.08 |
0.040 |
Fatores de Crescimento |
DL-α-Lipoic Acid |
|
|
0.2063 |
0.103 |
0.0516 |
i-Inositol |
|
2 |
18.02 |
13.01 |
46.85 |
Acidos Graxos |
Linoleic Acid |
|
|
0.08412 |
0.04206 |
0.02103 |
Outros |
HEPE |
|
|
|
3574.5 |
1190 |
D-(+)-Glucose |
901 |
1000 |
1802 |
1401 |
3423 |
Hypoxanthine |
|
|
4.083 |
2.04 |
1.02 |
L-Glutathione, Reduced |
|
|
|
|
0.49 |
Phenol Red |
|
|
|
|
5 |
Sodium Pyruvate |
|
|
110 |
55 |
110 |
Thymidine |
|
|
0.7266 |
0.3633 |
5.72 |
Aditivo |
|
5-10% of serum, plus antibiotics |
5-10% of serum |
5-10% of serum plus Phenol Red |
Serum and antibiotics |
serum-free |
Usualmente os meios destinados para o cultivo celular animal são preparados a partir do meio desidratado que é reconstituído em água, filtrado em membrana e adicionado os devidos suplementos (nutrientes, antibióticos, fatores de crescimento etc.) ou frequentemente se utiliza dos meios já prontos para o uso.
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Referências:
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- Aoki, S., Takezawa, T., Sugihara, H., and Toda, S. (2016) Progress in cell culture systems for pathological research. Pathology International, 66: 554– 562. doi: 10.1111/pin.12443.
- Baust, J.M., Buehring, G.C., Campbell, L. et al. Best practices in cell culture: an overview. In Vitro Cell.Dev.Biol.-Animal 53, 669–672 (2017). https://doi.org/10.1007/s11626-017-0177-7
-Loeb, L. (1978), On transplantation of tumors. CA: A Cancer Journal for Clinicians, 28: 369-374. https://doi.org/10.3322/canjclin.28.6.369
-Fangerau H. Front Cell Dev Biol. 2022 Feb 14;9:801333. doi: 10.3389/fcell.2021.801333. eCollection 2021.
- Lee S, Kim BY, Yeo JE, Nemeno JG, Jo YH, Yang W, Nam BM, Namoto S, Tanaka S, Sato M, Lee KM, Hwang HS, Lee JI.Transplant Proc. 2013 Oct;45(8):3108-12. doi: 10.1016/j.transproceed.2013.08.013.